quarta-feira, 11 de julho de 2012

Borges, concisão

1) Borges, como sabemos, é econômico.
Escreve frases como "A distinção é válida", "Hamlet, nesse tempo, é são e é louco" ou "Naquelas cavernas é que entrei". É a faceta linguística de sua poética do lacunar. A escolha é uma só - somente uma palavra aparece -, mas Borges, por meio de algum sortilégio inexplicável, dá uma simultânea impressão de facilidade e inesgotável trabalho em cada frase que seleciona.
Sentimos que na Índia o homem pulula. Na aldeia, senti que o que pulula é a selva, que quase penetrava nas choças. (do conto Tigres azuis)
2) A literatura de Borges é uma vertiginosa aproximação de contrários.
Simula uma impessoalidade, um distanciamento, como se fosse um simples gesto de coleta de comentários bibliográficos - mas há sempre aquela presença maníaca por trás, o leitor infatigável, o bibliotecário, o copista, a testemunha solitária da história da literatura, e essa presença é sempre Borges. Dá a impressão de sempre perseguir os mesmos temas, simulando a concisão de quem não quer gastar muito tempo com eventos, conceitos e julgamentos que são conhecidos por todos - e esse jogo de comentar a história da literatura sempre de forma lacunar e oblíqua, como quem acrescenta uma breve observação antes da dissolução da audiência, gerou uma obra literária vasta e independente.
3) Pode-se imaginar a agonia de Borges ao pressentir sua Obra Completa.
Ao contrário do que pensava Lévi-Strauss - de que todas as versões fazem parte do mito -, Borges buscava sempre a síntese absoluta, a imagem ou o momento que pudessem transformar a percepção e, nesse momento de transformação, iluminar o que foi, o que é e o que ainda será. Uma frase que valha pelo universo inteiro. Uma palavra. A memória de Shakespeare - toda a memória de Shakespeare, que chega através de uma ligação telefônica - é resumida em uma frase:
Simply the thing I am shall make me live


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