Kusniewicz articula três histórias distintas em O rei das duas Sicílias: a história de Emil, desde sua infância até a guerra; o atentado em Sarajevo e a declaração de guerra e, finalmente, o assassinato de uma cigana na cidade de Fehértemplom (hoje Sérvia). As três histórias nunca são diretamente ligadas - o que as une é o desejo do narrador de contar uma história de forma arbitrária, o desejo do narrador de mostrar que qualquer ponto de partida é possível, uma tese que se prova através da exímia montagem de tempos e eventos que realiza Kusniewicz. É impossível determinar qual das três histórias é preponderante ou privilegiada na narração - há, contudo, com relação ao assassinato da cigana, uma espécie de assombro, de angústia por parte do narrador (esse narrador ao mesmo tempo tão implacável e tão sensível que forja Kusniewicz). Seu corpo foi encontrado em um buraco de extração de argila, com o pescoço cortado. A morte da cigana abre e fecha o romance, permanecendo sem solução e sem qualquer esforço por parte da polícia - o responsável afirma que, em tempos de guerra, não se deve perder tempo com a morte de uma cigana. A guerra, a técnica, a cidade e a cena de um crime sem solução: elementos que, segundo Walter Benjamin, cristalizam as primeiras sensações do moderno (desde Baudelaire, passando por Lautréamont, Joyce ou Francis Bacon).
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