quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Ciência da mediação


"O psicanalista Jacques Lacan coloca o imaginário, o simbólico e o real como as três ordens distintas, mas interdependentes da experiência psíquica. Elas reenquadram a topografia freudiana de eu, supereu e isso, respectivamente, elucidando que os domínios do sujeito também são reinos objetivos do social. O imaginário é o registro de imagens, identificações, inteirezas e projeções; o simbólico é o registro de linguagem, instituições, leis, práticas e ordem; o real é o registro daquilo que catalisa o imaginário e escapa ao simbólico - o impossível, o não representável, o material, o contraditório ou desprovido de sentido. 

Em certo sentido, esses registros descrevem o desenvolvimento psíquico: uma experiência infantil de incorporação e reciprocidade umbilical (imaginário) amadurece nas mediações da linguagem (simbólico), ao passo que essa progressão também efetua retroativamente um indício de algo inacessível e indizível (real). Em outro sentido, no entanto, a sobreposição e subposição simultâneas desses três é fundamental, visto que o sujeito do inconsciente é variado, divergente, nunca é inteira e diretamente ele mesmo.

Tanto por meio desse modelo de desenvolvimento quanto por meio desse modelo estrutural, a psicanálise habilita uma ciência da mediação sem precedentes: um estudo de como linguagem e normas informam desejos; de como desejos só conseguem se tornar legíveis nas distorções de parapraxias, sonhos, trapalhadas e sintomas; de como o eu não é autoevidente, sendo, pelo contrário, produto de relações sociais"

(Anna Kornbluh, Imediatez: ou o estilo do capitalismo tardio demais, trad. Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 2025, p. 69-70)

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