terça-feira, 14 de outubro de 2025

A arte da levitação



1) Logo no início de "Campo Santo", o texto que dá título ao livro de mesmo nome - projeto que Sebald abandonou para escrever Austerlitz, e que não conseguiu retomar por conta de sua morte em 2001 -, o narrador de Sebald chega finalmente ao cemitério da pequena cidade (Piana, na Córsega), depois de uma aventura por "caminhos tortuosos": ele escreve que precisou de "uma boa hora e meia" para chegar até lá e, "como quem domina a arte da levitação", caminha "quase sem gravidade entre as casas e os jardins", ao longo do muro que demarca o terreno "em que os moradores do lugarejo enterram seus mortos".

2) Depois dessas imagens do ar e da suspensão, o narrador de Sebald, abruptamente, se lança à terra das tumbas, a aterragem por excelência, uma vez que os mortos estão ali para sempre. Não apenas isso, já que essa aterragem inicial é enfatizada pela observação de que as tumbas estão afundando: "muitos dos túmulos que cobrem o morro seco já afundaram no solo e foram parcialmente sobrepostos por outros, acrescentados depois". É nesse contraste entre o etéreo e o material que se inscreve a poética de Sebald de uma forma geral - e um dos tantos pontos que ele desenvolve a partir de Walser.

3) Robert Walser publica em 1913 o conto Ballonfahrt, "Viagem de balão". Num primeiro momento, a viagem de balão e o deslocamento aéreo não combinam com aquilo que Walser mostrava em sua vida e em sua poética - se há movimentação em Walser, ela é quase que exclusivamente pedestre, no rastro de Rousseau e dos andarilhos medievais. Em um dos ensaios de seu livro Logis in einem Landhaus, Sebald ressalta justamente esse aparente paradoxo, argumentando que é nesse momento de exceção que Walser mais se revela: "o único momento em que vejo o viajante Robert Walser livre do peso de sua consciência é nessa viagem de balão".

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