"Lamentar que Montaigne tenha proclamado seu apego a uma noção contrária à do progresso (...) é um paralogismo, ou um voto piedoso que é fácil formular com quatro séculos de distância, do alto da boa consciência dada a um intelectual moderno pela convicção de conhecer a 'dialética da história'.
Coisa curiosa, os adeptos da História são muitas vezes os primeiros a esquecer que a noção moderna de história como devir coletivo dos povos ou da humanidade se formou no século XVIII, na mesma época em que a ideia moderna de progresso e, por assim dizer, complementarmente. Montaigne não teve conhecimento da História nem do Progresso - eles ainda não havia sido inventados.
Quando utiliza história no singular, é ora para designar o estudo do passado (a 'ciência da História'), ora para se referir a uma história, relativa a um indivíduo particular (o exemplo disso é dado pelo título do ensaio II, XXXIII, 'História de Espurina'). Em caso contrário, fala das histórias, em um plural que exclui por definição a ideia de um sentido único e providencial que ordenaria o conjunto dos acontecimentos passados e cujo desenvolvimento posterior seria confiado à geração presente"
(Jean Starobinski, Montaigne em movimento, trad. Maria Lúcia Machado, Cia das Letras, 1992, p. 254-255)
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"Falar de uma filosofia de Montaigne é um equívoco. Não há sistema algum; ele mesmo afirma, por exemplo, que é inútil aprender a morrer, pois a natureza encarrega-se disso à nossa revelia; e falta-lhe também uma verdadeira vontade de ensinar como a de Sócrates (que de resto bem se pode comparar a ele) e, portanto, uma vontade de alcançar uma validade objetiva. Aquilo que escreve dirige-se a ele e vale apenas para ele; se outros descobrirem aí alguma utilidade e prazer, tanto melhor"
(Erich Auerbach, "O escritor Montaigne", Ensaios de literatura ocidental, p. 150)
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