sábado, 27 de setembro de 2025

Montaigne: saber viver




1) Para Montaigne, toda doxa pede e determina uma contradoxa - um "pensamento" que exige um "contra-pensamento", uma "posição" que exige uma "contra-posição" (e nisso ecoará em Rousseau, mais adiante em Derrida). Como no caso da medicina, do corpo e dos remédios, como escreve Starobinski em seu livro Montaigne em movimento: "O que Montaigne exporá de sua saúde corporal será, portanto, uma antimedicina, mas habilitada a fazer frente à medicina, pelo fato de que pode, com mais razão, invocar a experiência em que a medicina, como vimos, assenta seus mandamentos" (p. 161). Poucas linhas adiante, completa: "A techné do médico é suplantada pelo saber viver do indivíduo exposto à doença".

2) Ao tentar, portanto, estabelecer contra-pensamentos diante da doxa de distintos campos (teologia, política, filosofia, medicina, etc), Montaigne luta no interior de certos campos discursivos - ele tem dificuldade de sair da linguagem médica para falar contra a medicina, como escreve Starobinski, mas também tem dificuldade de sair da linguagem teológica ou filosófica e assim por diante (ele faz uso de categorias, termos e metáforas: esse também é o procedimento central de sua relação com os textos do passado e com as citações que, frequentemente, deixa veladas em sua dicção - especialmente com Platão, Sócrates, Plutarco).

3) Montaigne vai aproveitar os termos da medicina - a teoria dos humores, a influência do ambiente, a harmonização dos influxos externos - para retornar à textualidade, à literatura: no ensaio "Sobre versos de Virgílio" (III, V), por exemplo, vai falar do valor terapêutico do calor: pensado não pelo viés evidente, na contraposição entre cru e cozido (Rousseau, Lévi-Strauss, Derrida...), mas metaforicamente, pelo viés do reaquecimento promovido pelos afetos, pelo amor. Ao mesmo tempo em que se abre à transformação, às alterações possíveis e intempestivas, porém, Montaigne reforça várias vezes que tenta, forçosamente, manter sem perturbações o seu estado habitual (ou seja, Montaigne luta contra sua própria doxa, contra a manutenção rígida de suas próprias posições; ele é "flexível", "pouco obstinado").

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