Em seu livro sobre Manuel Puig, Alan Pauls fala de como, em A traição de Rita Hayworth, Puig desenvolve uma dialetologia do sexo, girando e retorcendo certos termos muito específicos que o leitor deve coletar, registrar e analisar: pinchar, clavar, comer, romper el carozo (p. 24). Na perspectiva que constrói Pauls, Puig alcança o Foucault da História da sexualidade muito antes do próprio Michel Foucault (nos anos em que Puig está envolvido com A traição, Foucault está finalizando e publicando As palavras e as coisas): o sexo e o corpo surgem dentro de um sistema que coloca em movimento, simultaneamente, repulsa e atração, proibição e proliferação dos discursos sobre, corpo e sexo como objetos de uma exclusão que é, também, uma afirmação.
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Anne Carson, como também fez Foucault, retorna aos gregos: fala de Eros como bittersweet no livro que lança em 1986, reformulação de sua tese de doutorado defendida em 1981; Carson vai atrás dessa dialetologia do sexo, do desejo e do amor, começando com o glukupikron de Safo (palavra desafiadora para a tradução, que funde o doce e o amargo). Carson fala de Tolstói e de Anna Kariênina ("o ódio começa onde o amor termina..."), fala de Lacan e de suas ideias sobre o desejo como falta e como figura do nada, fala de Sócrates e do modo como eros aparece na linguagem do filósofo: eros costurado à ironia e aos jogos de linguagem, já que, como eros, os trocadilhos debocham dos limites das coisas.
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