"Na verdade, ao fim me parece, é no cruzamento de Derrida e Lacan que o método dos intraduzíveis pode ser melhor descrito. Derrida e Lacan são, se me permitem dizer, dois compadres que se encontram na sofística. Derrida define a desconstrução como 'mais de uma língua'. Bem longe do logos grego universalista (entenda-se cercado de 'bárbaros', blá-blá-blando com maior ou menor sabedoria) e bem perto da diversidade cara a Humboldt, aqui está, de forma mais selvagem e contemporânea, a maneira pela qual Derrida descreve seu caráter e seu trabalho:
Se eu tivesse que arriscar, Deus me livre, uma única definição de desconstrução, breve, elíptica, econômica como uma palavra de ordem, diria sem delongas: 'mais de uma língua' (Derrida, Mémoires pour Paul de Man)
Ao longo do texto verdadeiramente convincente que faz eco a essa passagem, O monolinguismo do outro, a desconstrução por Derrida de sua própria posição, que se refere a sua experiência como um jovem judeu pied-noir a quem o árabe foi ensinado na Argélia como língua estrangeira facultativa, expressa-se por uma aporia, por sinal trabalhada ou implícita numa sintaxe muito francesa (nada fácil de traduzir...), que ele enuncia assim:
1. Não falamos nunca senão uma única língua.
2. Não falamos nunca uma única língua.
Se tanto Derrida quanto Lacan estão nessa terceira dimensão da linguagem e se tornam atentos a ela, é também porque ambos estão definitivamente conscientes da dimensão do significante. Significante e performance agem juntos."
(Barbara Cassin, Elogio da tradução: complicar o universal, trad. Simone Christina Petry e Daniel Falkemback, São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2022, p. 33-35)
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