terça-feira, 6 de junho de 2023

Detlef Holz


1) Quando Walter Benjamin propõe uma compilação de grandes cartas, com seu livro Gente alemã (espécie de precursor do livro feito inteiramente de citações que ele projeta no trabalho das Passagens), faz uso da figura tutelar de Goethe para falar de um mundo que não existe mais e do qual é preciso realizar o trabalho do luto (o livro sai em 1936 sob o pseudônimo Detlef Holz, editado na Suíça - precisamente o local onde sairá, dez anos depois, o livro de Auerbach, Mimesis, também uma meditação sobre mundos que não existem mais). 

2) Muitas décadas depois, quando Coetzee publica Elizabeth Costello, promove um movimento semelhante, embora mais complexo, com mais uma volta no parafuso, já que Coetzee o faz a partir de uma persona (uma máscara, uma prótese) interposta: precisamente Costello, que "não existe". É Costello quem resgata a carta de Lord Chandos, mostrando que, no interior dessa invisibilidade (a própria natureza da linguagem, do mistério da linguagem, da linguagem como mistério), se desdobra outra, a de Lady Chandos ("Carta de Elizabeth, Lady Chandos, a Francis Bacon" é o título do epílogo de Elizabeth Costello).

3) É inquestionável que a carta se impõe, que dá um jeito de chegar, por mais que demore: a carta de Goethe alcança Benjamin (que se transforma em Detlef Holz, sua persona, máscara, prótese), assim como a carta de Chandos alcança Coetzee (que inventa uma cena na qual a carta invisível de Lady Chandos pode alcançar Elizabeth Costello - nessa invenção, o abismo que separa a persona do livro, "Elizabeth Costello" de Elizabeth Costello, uma difference derrideana que não se marca com a voz, mas com a grafia, o rastro).

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