terça-feira, 20 de junho de 2023

Era 1956


"O diário de Cornell está cheio de anotações que revelam suas angústias. Queixava-se de uma dor no pescoço, e sempre melhorava quando conseguia notar que, na verdade, se sentia confiante. Por outro lado, tinha uma segurança aristocrática que lhe permitia mover-se com facilidade no mundo de Manhattan, travar amizades significativas com pessoas como Pavel Tchelitchew e Marianne Moore, e conhecer suas bailarinas prediletas, especialmente, no fim da vida, Allegra Kent (...). 

Cornell era um desses errantes de praia no ambiente da cidade, sempre fuçando os sebos e as gráficas à cata da miscelânea de rejeitos da Europa e dos primórdios dos Estados Unidos que tinham aportado nessas paragens. Em seus diários, ele recorda as impressões de seus dias na cidade, ainda que faça questão de nos lembrar que 'aquela confusão de garatujas feitas no local ou de memória se opõe diametralmente ao natural desdobramento do dia'. Cornell jamais perdeu a cautelosa confiança que costumamos associar aos adolescentes. Era sempre o homem a espreitar nos cantos. Espelhos, vidros, reflexos eram temas constantes em seus diários. (...) 

Nos diários, Cornell sempre vê duas ou três coisas ao mesmo tempo, como uma colagem ou uma montagem. 'Um cappuccino (da Grand ou da Mott?) foto de um operário no espelho & relógio de pêndulo'. Era 1956. (...) As páginas do diário estão cheias de impressões emaranhadas e superpostas de tal forma que, para Cornell, um dia na cidade de Nova York de meados dos anos 50 podia parecer-se com um dia em meados do século XIX" (Jed Perl, New Art City, trad. Pedro Maia Soares, Cia das Letras, 2008, p. 321-322).

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