quinta-feira, 6 de abril de 2023

Hemon



1) O romance mais recente de Aleksandar Hemon, The World and All That It Holds, lançado em 2023, apresenta, desde as primeiras linhas, uma singular mistura de línguas: o protagonista é Rafael Pinto; apesar dos estudos em Viena, precisa voltar a Sarajevo para cuidar da farmácia da família, por conta da morte do pai: Ever since Vienna, escreve o narrador de Hemon, Pinto had been writing poetry in German; he wrote in Bosnian too, but only about Saravejo. He even tried to write in Spanjol, but that always felt like his Nono was writing it, everything always sounding like an ancient proverb (p. 4).

2) O "spanjol" que aparece aqui pela primeira vez e que será referido incontáveis vezes ao longo do romance é a língua dos sefaraditas (o ladino), descendentes dos judeus originários de Portugal e Espanha expulsos da Península Ibérica ("Sefarad") pelo Édito de Granada em 1492. O narrador dá uma amostra, retirada das tentativas de poemas de Rafael Pinto: Bonita de mijel, koransiko de fijel; Kazati i veras al anijo mi lo diras, and so on. APOTHEKE PINTO, diz a fachada da farmácia; durante o expediente, Rafael reposiciona a poesia entre as línguas: Light changes the world, pensa ele, e retoma em alemão: Das Licht ändert die Welt, e assim por diante (p. 8).

3) Hemon não só retorna à paisagem da sua juventude e de boa parte de seus outros livros, mas também retoma laços intertextuais fundamentais não apenas para sua obra, mas para parte da literatura do século XX: encontramos ecos da nostalgia da derrocada do Império tal como narrada por Joseph Roth em seus romances (A cripta dos capuchinhos, A marcha de Radetzky); encontramos a vida nas trincheiras e os horrores da I Guerra Mundial, nos moldes daquilo que Ernst Jünger estabeleceu como o padrão-ouro em Tempestades de aço; encontramos a ironia poliglota de autores como Vladimir Nabokov, Charles Simic e Joseph Brodsky.  

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