terça-feira, 11 de abril de 2023

Hemon, 1



1) Talvez o principal problema do novo romance de Aleksandar Hemon, The World and All That It Holds, seja um desajuste de suas partes e uma falta de ênfase em suas melhores partes. Trata-se, sem dúvida, de um romance de amplo panorama, algo que certamente deu muito trabalho ao autor - são quatro partes e um epílogo; a primeira parte começa com o capítulo "Sarajevo, 1914"; a última parte termina com o capítulo "Shanghai, 1949"; o epílogo é intitulado "Jerusalem, 2001"; entre esses marcos, uma série de outros pontos no percurso, sempre sucessivo e cronológico, tais como "Tashkent, 1919", "Korla, 1922", "Shanghai, 1932" e assim por diante. 

2) Muito raramente, o narrador do romance - que nunca se identifica como Hemon, embora o epílogo torne essa conexão quase certa - aparece para comentar como teve acesso às informações trabalhadas ao longo do romance (os refugiados da I Guerra Mundial, os sefaraditas de Saravejo no período entre-guerras, uma espécie de Lado B da migração pós-guerra, não em direção ao Oeste (especialmente Estados Unidos), mas em direção ao Leste (Uzbequistão, China). Esses momentos que mostram os "bastidores" são sempre interessantes, o que não se pode dizer de vários outros momentos do romance, dedicados às alucinações do protagonista, Rafael Pinto (farmacêutico/médico, sobrevivente da guerra, viciado em ópio, judeu deslocado pelo mundo, etc).

3) Rafael conhece Osman nas trincheiras; eles se apaixonam, passam alguns anos juntos, como um casal (ainda que escondendo a relação daqueles que estão por perto - primeiro os soldados/companheiros de guerra; depois os outros refugiados com quem convivem, dependendo do trecho da "viagem"); depois da morte de Osman, Rafael continua escutando sua voz, eventualmente "sentindo sua presença": além da reiteração de uma série de dispositivos ideológicos bastante repisados pela ficção de massa (o amor-paixão, a fidelidade, a família, o "amor para toda vida", elementos criticados em um arco que vai de Lukács a Zizek, passando por Adorno e Theweleit), o par Rafael-Osman esvazia o projeto de Hemon de suas ramificações críticas, enciclopédicas, intertextuais, achatando sua ambição romanesca em uma dicotomia banal.

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