quinta-feira, 27 de abril de 2023

Hemon, 3



1) Ainda sobre The World and All That It Holds: a insistência na dinâmica amorosa dicotômica - Rafael que continuamente pensa em Osman, que retorna de quando em quando sob forma de alucinações visuais ou frases oraculares igualmente alucinatórias - termina por enfraquecer o principal elemento do romance de Hemon, ou seja, a trajetória do exilado ao longo de décadas e milhares de quilômetros. O lamento amoroso de Rafael poderia ocorrer em qualquer lugar, a ele pouco importa onde está, o que importa é que está distante do amado - consequentemente, fica enfraquecido o próprio contexto histórico que enquadra a trajetória do protagonista, e que tanto trabalho deu a Hemon (uma sorte de contágio: se pouco importa a Rafael onde está, pouco importa também na experiência geral da leitura do romance). 

2) Uma amostra, entre muitas possíveis, do registro melodramático excessivo de Rafael com relação a Osman:

I don't just want to be alive, I want to live with you. Other than that, I have no reason to be alive. I am a nothing and a nobody. I don't care about anything or anyone else (p. 97)

Apesar do laço homoafetivo entre Rafael e Osman, o vínculo entre eles não deixa de reforçar certa tendência de Hemon de construir mundos narrativos habitados majoritariamente por homens, que se relacionam entre si, que se preocupam com suas respectivas visões de mundo, numa espécie de circuito fechado de afetos e percepções (repare nos títulos dos livros anteriores de Hemon: Bruno, Lázaro, Pronek...).

3) Uma alternativa para contrabalançar essa monotonia e falta de variação seria o uso do narrador no presente, o narrador que está envolvido na realização de um livro que ainda não se completou, o narrador que traz à superfície do relato a ilusão de um romance que ainda não escolheu um caminho definitivo, o narrador que questiona e problematiza as próprias fontes (uma amostra de que Hemon sabe disso está no epílogo do romance, precisamente a peça de encerramento e o melhor momento da narrativa, quando o narrador em primeira pessoa apresenta a fragilidade do fio que sustenta o projeto). 

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