1) Na linha daquilo que faz Ernst Jünger durante sua visita ao Brasil em 1936 - analisando o céu dos trópicos e comparando ao céu conhecido, familiar, da Europa -, o protagonista do romance de Samuel Beckett de 1938, Murphy, é fascinado pela astrologia, pela capacidade de interferência dos astros na vida, na subjetividade: "O mapa celeste de Murphy, traçado por Suk", escreve Beckett, "acompanhava o infeliz nativo por onde fosse. Conhecia-o de cor e salteado e recitava-o em voz baixa enquanto caminhava" (trad. Fábio Andrade, Cia das Letras, 2022, p. 71).
2) Isso ocorre em grande medida porque, como escreve o narrador do romance, Murphy "fazia parte da classe dos eleitos que exigem que todas as coisas lhes lembrem outras" (p. 62), ou seja, um sujeito permanentemente compenetrado na decifração de signos, no entrecruzamento de analogias, referências, "assinaturas" (um elo perdido e modernista na arqueologia que faz Agamben em Signatura rerum (trad. Andrea Santurbano e Patricia Peterle, Boitempo, 2019): "Segundo Paracelso, são três os assinadores: o homem, o arqueu e as estrelas. Os sinais dos astros, que tornam possíveis as profecias e os presságios, manifestam 'a força e a virtude sobrenatural' das coisas: deles tratam as ciências divinatórias como a geomancia, a quiromancia, a fisiognomia, a hidromancia, a piromancia, a necromancia e a astronomia" (p. 46)).
3) O mapa astral de Murphy é elaborado pelo "professor Suk" e indica, entre outros elementos, que seus "principais Atributos" são "Alma, Emoção, Clauriaudição e Silêncio"; deve "evitar a exaustão pela Palavra"; no que concerne à "Carreira", o "Nativo deve Inspirar e Liderar, como Intermediário, Promotor, Detetive, Zelador"; pedras da sorte: "Ametista e Diamante"; cores da sorte: "Amarelo-Limão": "para evitar as Calamidades, o Nativo deve incorporar um Toque na Indumentária e Doses Generosas na sua Decoração Doméstica"; anos da sorte: "1936 e 1990" (p. 37-38).