terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Castelos



1) Na argumentação de Maria Negroni sobre a "zona de sombra" da obra de Alejandra Pizarnik (El testigo lúcido), fica clara a tentativa de estabelecer uma sorte de triangulação: Pizarnik - Penrose - Sade; uma primeira triangulação que é complementada por uma segunda, usada por Negroni como ponto de apoio teórico: Freud - Bataille - Kristeva (é, sem dúvida, a referência bibliográfica mais citada em El testigo lúcido). Para se destacar do contexto literário argentino imediato (Borges), Pizarnik faz uso de uma obra francesa recente e menor (no sentido do Deleuze e Guattari de Kafka, por uma literatura menor), a de Penrose, que arrasta consigo a atualização de uma obra prévia, a de Sade.

2) "Sade explicou bem", escreve Negroni (p. 41): "os castelos são por definição lugares arcaicos. Contudo, também por conta disso, guardam em sua arquitetura de excesso sonhos suturados, ossuários de sombras que iluminam as zonas mais afastadas, mais catastróficas da experiência humana, permitindo o acesso a um saber alucinatório, sustentado pela incerteza. Deles deriva um novo olhar, um pathos que levanta o inatual como estandarte e faz da errância imaginária um baluarte contra a cena iluminada da História" (o castelo é utilizado tanto por Penrose quanto por Pizarnik; uma antecipação daquilo que Barthes denomina o "viver-junto" no curso de 1976-1977). 

3) O castelo não é só o espaço físico, o ambiente ou cenário da ficção, mas também um espaço imaginativo no qual circulam certas energias narrativas sem hiearquização temporal. "Outro Télos (paradigma banal): Eros. Texto: Sade: (...) o castelo de 120 dias de Sodoma. Exemplo excêntrico, pois há exclusão da idiorritmia. Nada de rhythmós, nem para as vítimas (claro), nem para os libertinos: horários minuciosos, ritos obsessivos, ritmo implacável (...) Ora, os libertinos sadianos (é seu paradoxo) transformam a fantasia em Lei, em Fé. Desde então, não há mais rhythmós, a liberdade não é ligada ao sexo, mas ao indireto de seu investimento" (Barthes, Como viver junto, trad. Leyla Perrone-Moisés, Martins Fontes, 2003, p. 88-89)

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