1) Em um dos ensaios reunidos em seu livro Temas Lentos, Alan Pauls escreve sobre Mario Bellatin - um texto intitulado "El arte de vivir en arte", no qual Bellatin opera dentro de uma triangulação completada por César Aira e Héctor Libertella. Pauls começa com uma anedota: o dia em que Bellatin foi convidado por um jornal de Buenos Aires para fazer a resenha de um romance de Kawabata recém-traduzido na Argentina. A resenha entregue por Bellatin é uma montagem de frases que ele retira de outros textos, textos, contudo, escritos como resenhas aos livros do próprio Bellatin.
2) "Não há em todo o ensaio", escreve Pauls, "uma única palavra que fale do escritor japonês sem falar ao mesmo tempo do escritor mexicano, e não há uma única palavra que se possa dizer, em boa fé, que seja de autoria do mexicano". Bellatin finge ler Kawabata e, no processo do fingimento, lê a si mesmo através dos olhos da crítica; ocupa de forma momentânea uma posição dentro do "discurso crítico" e, dessa posição, atua como agente duplo: cria um artefato textual ready-made, um monstro de citações que conta duas histórias simultâneas - a história manifesta leva o nome "Kawabata", a história latente leva o nome "Bellatin".
3) Existe um último elemento: ao fim do artigo, depois da "assinatura", Bellatin acrescenta uma advertência que traz à superfície todo o procedimento (o texto não é "meu", não é "sobre" Kawabata). O editor do jornal, no entanto, resolve eliminar a advertência e publicar o texto como se fosse um ensaio "normal", corriqueiro e tradicional, soterrando a advertência e o procedimento. "Graças à cautela do jornal", comenta Pauls, "que prefere eliminar a 'confissão' do artista, o gesto do artista perde as aspas que o tornavam visível como gesto e fica na intempérie, executado em primeiro grau, como se fosse mais um acting de preguiça, um desafio para leitores ou um 'delito cultural', e não uma prova de habilidade na arte antiga, hoje tão na moda, de copiar-e-colar",
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