sábado, 19 de fevereiro de 2022

Leveza



1) Quando escreve sobre a "leveza" nas suas "lições americanas" (suas propostas para o próximo milênio, que deveriam ter sido apresentadas em Harvard no ano de sua morte repentina, 1985), Italo Calvino se coloca em direto contato com Milan Kundera e seu romance sobre a insustentável leveza do ser (publicado na tradução francesa em 1984 e no original tcheco em 1985). Em maio de 1985, Calvino publica no jornal la Repubblica uma resenha do romance, intitulada "Duas objeções a Kundera": é mais uma oportunidade que Calvino aproveita para se confrontar ironicamente com as ilusões políticas europeias das últimas décadas, de Stálin a Pol Pot, passando por Nietzsche e Mao Tse-Tung.

2) Um pouco antes, em 1983, resenhando um livro de Roberto Calasso, Calvino já toca no tema da "leveza": seu comentário diz respeito a Talleyrand, o personagem principal de Calasso em La rovina di Kasch, sorte de romance-ensaio sobre tudo e nada, que parte do Antigo Regime, atravessa a Revolução e o período napoleônico até chegar na Restauração. Talleyrand é o símbolo da leveza, de alguém que está presente quase sem ser notado e, ainda assim, é bem-sucedido na tarefa de marcar suas posições e guiar percepções (nesse sentido, é curioso como a figura de Talleyrand se aproxima daquela de Aldo Moro, que comentei aqui a partir das diferenças entre Sciascia e Calvino - Moro e Talleyrand exercem um poder sutil, que tira sua força da discrição).

3) No que diz respeito à obra de Calvino, a leveza se encontra sobretudo em As cidades invisíveis, de 1972: a escrita, o estilo e a estrutura do livro são leves, em contraposição ao peso do mundo que se atravessa e ao qual se faz referência. Em seu livro Settanta, Marco Belpoliti argumenta também que a leveza do livro é uma forma de resposta ao peso dos acontecimentos históricos da época de confecção e publicação: o pós-Maio de 68, na França e na Itália, o terrorismo, as bombas na praça Fontana de Milão.

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