quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Simic / Kiš


1) Em ensaio de 2013 para a New York Review of Books (resenhando vários livros de Danilo Kiš e a biografia de Mark Thompson), Charles Simic afirma que Clepsidra é o melhor livro de Kiš: o "mais ricamente concebido" e "mais belamente escrito", "o mais emocionante", atentando para o modo como o autor posiciona a narrativa em uma única noite, mais precisamente do fim da tarde até o amanhecer do dia seguinte (com recuos pontuais em direção ao passado próximo e distante). Simic ainda escreve (citando uma declaração de Kiš que infelizmente não é especificada ou referenciada) que o romance não existiria sem o Ulisses de Joyce, que funciona como uma espécie de ferramenta que permite a expansão vertiginosa da carta do pai à tia. 

2) Simic faz ainda referência à polêmica que surge com o lançamento (em junho de 1976) de Um túmulo para Boris Davidovitch: um crítico proeminente (professor de literatura na Universidade de Belgrado) ataca Kiš e o livro, condenando seu uso das citações e sua manipulação da montagem e do pastiche (Simic comenta que o que está em jogo é também o confronto entre duas concepções da literatura: a do crítico/professor ligada ao ideal nacionalista do século XIX; a de Kiš ligada ao projeto modernista de mescla dos idiomas, das referências e dos pertencimentos - uma discussão que faz pensar, mais uma vez, nas ideias de Hayden White e sua insistência na atualização de modelos para a escrita da História, especialmente no que diz respeito ao momento "modernista" nos anos 1960/1970, em contraste com o legado do século XIX).

3) A polêmica leva Kiš a escrever outro livro em apenas um mês, informa Simic, uma sorte de "filosofia da composição" intitulada Lição de anatomia. A defesa, por parte de Kiš, de uma poética tendo como pano de fundo os "erros" apontados pela crítica fazem pensar em Borges (que ele próprio aponta como modelo para Um túmulo), especificamente na tensão entre Borges e o crítico Ramón Doll: é Alan Pauls quem disseca a situação no sétimo capítulo de El factor Borges, intitulado "Segunda mano" (Borges, segundo Doll - em um livro de 1933 -, escreve Pauls, abusa das "coisas alheias", entre o vício da preguiça e o delito do plágio; é nessa "falha" que Borges arma sua poética: falsear y tergiversar ajenas historias, como escreve na História universal da infâmia). 

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