"A literatura é somente um fenômeno acessório ao espírito universal de Hegel, e tão sujeita ao comportamento psico-lógico esquizofrênico quanto os demais níveis do espírito humano. Escrever literatura, ainda que bem, não significa atuar sempre na esfera do absoluto, não significa ter sempre razão, mas o contrário. (A literatura, nos últimos cinquenta anos, foi manipulada da mesma forma que outros campos nos quais o espírito humano se manifesta)" (p. 153).
"Quero dizer que a minha insistência na forma borgiana em Um túmulo para Boris Davidóvitch era tão evidente para mim que pensei, afirmo, que o primeiro leitor que tomasse aquele livro em mãos compreenderia que de fato eu estava polemizando com Borges (como sempre se polemiza com os nossos modelos). E a polêmica consiste no seguinte: Borges intitulou seu livro mais famoso História universal da infâmia; entretanto, no plano temático, aquilo não é nenhuma «história da infâmia», mas trata-se, repito, no plano temático, de contos infantis sobre bandidos nova-iorquinos, piratas chineses, pequenos vigaristas provincianos etc., completamente irrelevantes do ponto de vista social. Portanto, polemizei em primeiro lugar com o título de Borges, excessivo além de toda a medida (o que ele próprio reconheceu em algum lugar). E sustento que a história universal da infâmia é o século XX, com os seus campos de concentração e os soviéticos, em primeiro lugar. Porque para mim se trata de infâmia quando, em nome da ideia de um mundo melhor, pela qual morreram gerações de pessoas, quando em nome de uma ideia humanística assim você cria campos de concentração e oculta a existência deles, e você aniquila não somente as pessoas, mas também os sonhos mais íntimos delas por esse mundo melhor" (p. 183-184).
"Céline não me marcou muito, eu conheço pouco Céline... Eu não gostaria de entrar nessa discussão. Na verdade, eu sou a favor de uma certa rigidez: nunca dizer diretamente as próprias emoções, mas antes fazer com que sejam sentidas. Céline, pelo pouco que li, que consegui ler, me parece demasiado direto... esse vazamento... emotivo não me interessou... comecei a ler mas realmente não me interessou. Ele urra demais, ele diz os seus sentimentos, ele os expõe. Eu prefiro, como dizia, os sentimentos ditos nas entrelinhas e nos espaços em branco das frases" (p. 250).
Danilo Kiš, Homo poeticus, trad. Aleksandar Jovanovic, Âyiné, 2021
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