segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Studiolo

O último livro de Giorgio Agamben - lançado em novembro de 2019 e intitulado Studiolo - é uma espécie de compilação de imagens favoritas: cada breve capítulo é construído como um comentário a uma coleção de imagens, "imagens amadas de modo especial" escreve o autor na "advertência" que abre o livro. "Studiolo", ensina Agamben na mesma advertência, é o termo utilizado para denominar - no Renascimento - o cômodo da casa para o qual se dirige o príncipe para ler e meditar, tendo à sua volta os quadros prediletos. 

Desde o início Studiolo apresenta a marca de um "estilo tardio", para usar a expressão de Edward Said no livro de mesmo nome (um livro, aliás, póstumo). O estilo tardio opera em Studiolo em um duplo registro: em primeiro lugar, o esforço de Agamben em apresentar um inventário crítico de suas imagens preferidas, uma sorte de testamento no qual recupera e organiza uma das vias de convivência do crítico com a arte; em segundo lugar, certa recorrência sutil do comentário em torno a obras concebidas no final da vida, com destaque para três pintores: Giovanni Bellini, Hans Holbein e Diego Velázquez. 

Ou seja, não apenas Agamben exercita o estilo tardio como busca em certos pintores a repercussão estética do estilo tardio - como é o caso da pintura de Bellini que ilustra a capa do livro: Noé, velho e bêbado, sendo coberto por seus filhos. Agamben comenta que Bellini não havia, até esse momento, pintado qualquer cena do Antigo Testamento - seu interesse, portanto, não seria teológico, mas técnico: seu objetivo é dar conta da nudez do corpo envelhecido: "o tema do quadro", escreve Agamben, "não é a nudez, mas a nudez que deve ser coberta. (...) A nudez que mostra Bellini é a sua, a de um velho que se pôs a nu em sua obra e que agora quer apenas ser coberto (...) Ao mestre importa apenas o jogo das seis mãos ao redor do corpo branco, luminoso".

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