domingo, 22 de novembro de 2015

1912+1

1) É difícil estabelecer com segurança uma cadeia de eventos interligados nas narrativas de Sebald e dizer: pronto, é isso. No caso específico que aqui me interessa, estou lidando com a breve menção que Sebald faz a Leonardo Sciascia em Vertigem. Tudo poderia começar com a insistência de Sebald (e não apenas neste livro inicial de sua carreira) de puxar histórias dos jornais, algo que também acontece em Sciascia (e não apenas em seu livro de 1986, 1912+1, que é citado por Sebald em Vertigem, mas em toda sua obra, sempre alimentando-se dos absurdos cotidianos encontrados nos jornais). 
2) Sim, poderia começar com essa proximidade constante de Sebald e Sciascia das histórias verídicas dos jornais. Mas notei que muito antes, ainda em Vertigem mas em um capítulo anterior, Sebald cita o pintor Tiepolo (todas essas remissões à visão e à imagem, sempre tão recorrentes). É o segundo trecho de Vertigem, aquele intitulado "All'Estero", e Sebald escreve: "As nuvens baixas que vinham dos vales alongados sobre a paisagem desoladora ligaram-se em minha imaginação ao quadro de Tiepolo que eu costumava contemplar durante horas" (trad. José Marcos Macedo, Cia das Letras, 2008, p. 45). O narrador faz referência à sua primeira viagem a Verona, em 1980; em 1987, ele retorna, vasculha os jornais do dia (02 de agosto de 1987) e, mais tarde, por conta da viagem que Kafka fez até a mesma cidade em 1913, o narrador vai à Biblioteca Civica e vasculha também os jornais locais de agosto e setembro de 1913.
3) Depois da visita à Biblioteca, o narrador encontra em uma praça um jornalista chamado Salvatore - ele está lendo 1912+1. "A história contada por Sciascia", diz Salvatore, escreve Sebald, "era uma sinopse fascinante dos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial. No centro da narrativa, que se desenrolava mais na forma de ensaio, estava uma certa Maria Oggioni, nata Tiepolo" (p. 101). O narrador sequer menciona a coincidência de sua leitura dos jornais de 1913 na Biblioteca Civica e o encontro com Salvatore se dar justamente a partir do livro de Sciascia, 1912+1 (menciona o parentesco da protagonista de Sciascia com o pintor Tiepolo, mas não resgata a imagem de Tiepolo que havia lhe ocorrido no início do livro). O que permanece também não-dito, mas bastante presente, é uma dupla semelhança que aproxima Sebald e Sciascia: o apego escrupuloso ao factual, ao verídico, ao jornalístico; e, por fim, essa narrativa que se desenrola "mais na forma de ensaio". 

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