1) O que primeiro e de imediato chama a atenção em Afirma Pereira, o romance de Antonio Tabucchi, é justamente essa fórmula recorrente: afirma Pereira - "quando Pereira chegou à estação, um maravilhoso pôr do sol pairava sobre a cidade, afirma"; "Às onze horas em ponto, afirma Pereira, sua campainha tocou"; "Às oito e trinta e cinco, afirma Pereira, entrou no Café Orquídea"; "Na manhã seguinte, Pereira acordou com o telefone tocando, afirma"; "Afirma Pereira que eram três homens vestidos com roupas civis e armados de pistolas".
2) Existe um pudor narrativo por trás do procedimento, que serve para marcar o caráter "fantasmagórico" de Pereira, que surgiu a Tabucchi como um "personagem à procura de um autor". Tabucchi escreve na nota introdutória ao romance que são "as confissões de Pereira", que lhe aparecia à noite e dava seu testemunho sobre "as tragédias do nosso passado recente": "as confissões de Pereira, unidas à imaginação de quem escreve, fizeram o resto". Essa fórmula encantatória, portanto, afirma Pereira, afirma Pereira, serve tanto como um gesto de filiação (Pessoa, Pirandello) quanto como uma espécie de fidelidade ao testemunho, uma espécie de fidelidade documental - mas serve principalmente para reforçar o momento derradeiro do romance, o momento em que Pereira deixa de ser Pereira e, consequentemente, já não pode mais contar sua história, ou ao menos essa história, esse testemunho restrito à violência totalitária de Salazar em agosto de 1938 (daí a importância dos três homens vestidos com roupas civis mais acima).
3) Ricardo Piglia faz algo semelhante em Respiração artificial, de 1980, lidando também com material semelhante: reescrita de fatos históricos, sobreposição de temporalidades, evocação de fantasmas. A analogia com o romance de Tabucchi pode ser feita sobretudo na segunda parte do romance de Piglia, cheia de construções como: "disse o Senador que Marcelo lhe havia dito"; "foi isso que disse o Senador"; "ditou o Senador e disse"; "O Senador disse depois que aquilo era tudo o que ele podia fazer. 'Isso', disse o Senador, 'é tudo o que posso fazer'"; chegando, surpreendentemente, a Wittgenstein (que depois retornará como professor de Tardewski, mas só depois, muito depois): " 'Eu, o Senador, preciso, por enquanto, calar-me. Já que sou incapaz de explicar-me sem palavras, prefiro emudecer. Prefiro emudecer, agora', disse o Senador, 'já que sou incapaz de explicar-me sem palavras' " (Respiração artificial, Tradução de Heloisa Jahn, São Paulo, Iluminuras, 1987, p. 59).
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