terça-feira, 9 de abril de 2013

Outubro de 1977, 2

Kurt Goldstein, 1878-1965
1) Derrida, já no início do texto sobre van Gogh, fala "que se trata efetivamente de uma história de fantasmas", que envolve "uma dívida mais ou menos fantasmática, restituir os sapatos a quem tem direito sobre eles". Além disso, se trata de saber "que tipo de espectro vive ainda nos sapatos", se aqueles da cidade, como quer Schapiro, ou do campo, como quer Heidegger, e finalmente: os sapatos são habitados por fantasmas ou são eles mesmos "a espectralidade que retorna, que volta, que corresponde"? O fantasmático na imagem de van Gogh é aquilo que aparece (os sapatos) ou aquilo que se supõe estar por trás do que aparece (um corpo, um caminhante)?
2) Aby Warburg, nos escritos de apresentação do Atlas Mnemosyne, produzidos em fins da década de 1920, define a história das imagens como "uma história de fantasmas para adultos" - e Georges Didi-Huberman, em seu comentário sobre o atlas de Warburg, fala que a "ótica warburgiana" trata de situar os fenômenos da arte em uma "antropologia ou uma psico-história capazes de verificar a política das sobrevivências ativas em cada sintoma cultural" (Atlas ¿Cómo llevar el mundo a cuestas?, p. 149). No contexto dos sapatos de van Gogh, portanto, são requisitados dois momentos heterogêneos de sobrevivência: para um sintoma cultural (os sapatos), duas políticas, duas lógicas, a de Heidegger e a de Schapiro, cada uma delas com sua respectiva espectografia (fantasmas da cidade e do artista, para Schapiro; fantasmas da técnica e da terra, para Heidegger).
3) Política das sobrevivências e política dos deslocamentos: Derrida aponta que a interpretação de Heidegger era típica daquele "que podia permanecer", que "queria calçar os sapatos em seus pés de homem do campo", no "pathos do chamado da terra", tão carregado de sentidos na Alemanha da década de 1930; a interpretação de Schapiro, por outro lado, é típica daquele que deve forçosamente colocar-se em movimento, em fuga. Esse segundo caminho ganha densidade porque Schapiro dedica seu ensaio de 1968 a Kurt Goldstein, que, depois de ser preso pelos nazistas, foge da Alemanha em 1933 e passa a ensinar em Columbia em 1936. "Foi Kurt Goldstein quem primeiro me alertou para o ensaio de Heidegger", escreve Schapiro, e assim por diante.      

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