segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

As lides diárias

Ingres, Apoteose de Homero, 1827

1) Eric A. Havelock, em A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais, escreve que a epopeia surge não por conta de um impulso artístico, mas de uma necessidade funcional, e continua: "Por um lado, assinalei o potencial singular do alfabeto grego para a transcrição fluente do discurso oral; por outro, assinalei as providências tomadas por uma cultura não-letrada, a fim de preservar sua tradição integrada num enclave linguístico, à parte do coloquial, elaborado de forma métrica, de modo a conservar na memória dos membros da cultura um enunciado longo"

2) "Transcrever tal enclave foi a primeira aplicação dada ao alfabeto. E assim chegamos em primeira instância aos poemas que estão ligados ao nome de Homero. Deve-se abandonar a ideia de que eles representam sobrevivências de uma forma de entretimento à margem das lides diárias. Eles exigem ser considerados em primeiro lugar como um apanhado das lides diárias e ser entendidos em termos de sua função, antes que em termos de sua contribuição para a estética literária. Esta reavaliação é de molde a suscitar considerável oposição da parte dos que advogam um enfoque puramente estético-literário desses poemas"

3) "Mas Homero constitui apenas a primeira parcela, ainda que a mais pura, do precipitado, como o chamei, que transpôs em forma documental completa a tradição oral da Grécia. Ele foi seguido por Hesíodo, os líricos, Píndaro e o drama ático. (...) Lado a lado com as novas formas de expressão prosaica lentamente tornadas possíveis pelo crescente domínio da escrita, ao longo da história grega existiu, nos textos homéricos, uma transcrição completamente articulada de velhas maneiras pré-letradas de falar" (p. 113-115).

Nenhum comentário:

Postar um comentário