Na quarta seção de "O imortal", o conto que Borges publica pela primeira vez em fevereiro de 1947, na revista Anales de Buenos Aires, e que depois, em 1949, reaparecerá no seu livro O aleph, o autor escreve que ser imortal é insignificante: todas as criaturas o são, pois ignoram a morte (exceto o homem, que tem a morte como horizonte permanente). Dada a abstração da imortalidade, o narrador de Borges chega à conclusão de que, num prazo infinito, a todo homem acontecem todas as coisas; as virtudes anulam as infâmias, e vice-versa, seja do passado, seja do futuro. E nesse ponto, costurada à reflexão abstrata e metafísica, surge um comentário literário, uma brevíssima interpretação, um fugaz juízo de valor, muito ao estilo de Borges: esse jogo de equivalências tende ao equilíbrio, escreve Borges, e talvez o rústico Poema do Cid seja o contrapeso exigido por um único epíteto das Églogas ou por uma sentença de Heráclito.
Essa aparição relâmpago de Virgílio é reveladora, especialmente em um conto que fala tanto de Homero, que depende tanto da fortuna póstuma e milenar das palavras e da figura mítica de Homero. Virgílio aparece em vários momentos da obra de Borges, mas nesse ponto específico de "O imortal" ele não é nominalmente mencionado, algo que certamente não contribui para a contagem estatística da presença de Virgílio na obra de Borges - mas a ênfase é decisiva: "um único epíteto das Églogas", é o que basta (é possível também insistir que Borges trabalha, em vários momentos, a partir de uma triangulação canônica que, para ele, é inquestionável: Homero, Virgílio, Dante).
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