sábado, 24 de fevereiro de 2024

Visão, opacidade



1) Em seu livro sobre Heidegger, publicado em 1978, George Steiner destaca que o filósofo foi marcado especialmente por uma antologia de poesia expressionista intitulada Crepúsculo da Humanidade: publicada em 1921, marcou a visão de Heidegger sobre poesia e pode ter preparado sua utilização posterior de Rilke e Trakl. Tal como seus "contemporâneos expressionistas", escreve Steiner, "Heidegger viu em Dostoiévski e Van Gogh os mestres supremos da verdade espiritual, da visão das profundezas do espírito humano. Essa avaliação concordaria, por seu turno, com a teologia da crise que ele descobrira em Pascal e Kierkegaard" (As idéias de Heidegger, trad. Álvaro Cabral, Cultrix, 1982, p. 67).

2) No início dos anos 20, Brecht, que estava com vinte e dois anos de idade, começa suas anotações: de junho a setembro de 1920; de maio a setembro de 1921; de setembro de 1921 a fevereiro de 1922. São os anos de Baal, Tambores na Noite, a peça Na Selva das Cidades, A Vida de Eduardo II da Inglaterra. Surgem as baladas e os sonetos. Durante o dia, estuda medicina, lê Van Gogh e Shakespeare, Hesse e Döblin, Rimbaud e Feuerbach, Hebbel e Zaratustra. Tem amigos e mora em quartos mobiliados, vai a festas, faz viagens e tem um filho (Stefan, nascido em 3 de novembro de 1924). Surgem os conflitos com os pais, os dias agitados, o tempo em que pouca coisa acontece.

3) Quando conta a vida de Joseph Roulin, pessoa de carne e osso, sujeito histórico e personagem de Van Gogh, Pierre Michon chega a uma conclusão provisória do que faz "um grande pintor": "alguém cujos quadros devem ser vistos por todo mundo porque bizarramente, por mais opacos que pareçam, tornam as coisas mais claras, mais fáceis de compreender" (p. 41 - pensar em como Sebald, na abertura de Austerlitz, une os olhos de Wittgenstein e Jan Peter Tripp em um jogo de opacidade/esclarecimento); essa conclusão, contudo, retorna à opacidade algumas páginas depois: "Diante da garrafa revelada, o carteiro tentou saber por que Vincent era um grande pintor, e o outro explicou como pôde o que ele próprio não sabia, o que ninguém sabia, e Roulin então, que aquiescia profundamente, não avançou muito" (Senhores e criados, trad. André Telles, Record, 2010, p. 45).

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