"Não sou especialmente atraído pela filosofia de Wittgenstein, mas tenho uma paixão pelo homem. Tudo o que li sobre ele tem o dom de me emocionar. Muitas vezes achei traços comuns entre ele e Beckett. Duas aparições misteriosas, dois fenômenos que nos deixam satisfeitos por serem tão desconcertantes, tão inescrutáveis. Num e noutro a mesma distância das pessoas e das coisas, a mesma inflexibilidade, a mesma tentação do silêncio, do repúdio final do verbo, a mesma vontade de atingir fronteiras nunca imaginadas. Em outra época seriam atraídos pelo Deserto. Sabe-se hoje em dia que Wittgenstein, em certa fase, pensara em entrar para um convento. Quando a Beckett, imaginamo-lo perfeitamente, alguns séculos atrás, numa cela inteiramente nua, sem a menor mácula de um adorno, nem mesmo de um crucifixo. Divago? Lembrem-se então do olhar longínquo, enigmático, 'inumano' que tem em certas fotos"
(E. M. Cioran, "Beckett" (1976), Exercícios de admiração, trad. José Thomaz Brum, Rocco, 2011, p. 92)
"Não me lembro mais ao certo quais animais vi então no Nocturama de Antuérpia. Provavelmente morcegos e gerbos do Egito ou do deserto de Góbi [...] De resto, dos animais mantidos no Nocturama só me ficou na lembrança que alguns deles tinham olhos admiravelmente grandes e aquele olhar fixo e inquisitivo encontrado em certos pintores e filósofos que, por meio da pura intuição e do pensamento puro, tentam penetrar a escuridão que nos cerca"
(W. G. Sebald, Austerlitz [2001], trad. José Marcos Macedo, Cia das Letras, 2008, p. 8-9)
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