segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O salto



1) No início da segunda parte de Os emigrantes, dedicada à figura de Paul Bereyter, o professor, o narrador de Sebald inicia uma longa rememoração de sua própria infância e de como chegou a ser aluno de Bereyter. O narrador-criança, portanto, chega na nova cidade e vai ao seu primeiro dia de aula, sendo recebido calorosamente pelo professor Bereyter: o professor nota o desenho tricotado em seu blusão e faz disso uma ocasião para reforçar os ensinamentos do dia anterior; a cena é também ocasião para uma performance do olhar, tão recorrente na obra de Sebald, quando várias pessoas se reúnem ao redor de uma imagem (ou várias) e vão, aos poucos, decompondo seus elementos, analisando sua estrutura e assim por diante.

2) Não é só a imagem tricotada no blusão que é separada, mas também a palavra que faz referência à imagem do salto do animal, que em poucas linhas é apresentada em cinco variações: springenden Hirschdie Hirschsprungsageeines Hirschsprungsmeinem Hirschsprungpulloverdes Hirschsprungmusters. A repetição escolar está no centro da cena, bem como o esforço dos alunos diante da tarefa de reproduzir o desenho no pulôver - algo que aparecerá também no último capítulo de Os emigrantes, com Max Aurach/Ferber, o pintor de Manchester, que mostrará ao narrador uma fotografia sua quando criança, escrevendo algo com o rosto muito próximo ao papel. 

3) A singularização das palavras desempenha uma função importante na narrativa de Sebald - uma reiteração por vezes carregada de angústia que remete diretamente ao estilo de Thomas Bernhard (modelo que Sebald comenta e exalta em entrevistas). Logo no início de Austerlitz, por exemplo, ao chegar na fortaleza de Breendonk, o narrador aponta como o cheiro (de sabão e "limpeza") do lugar o leva diretamente "aos terrores da infância" e a uma das palavras preferidas de seu pai, que repetia com frequência, Wurzelbürst, a "bizarra palavra", escreve o narrador, que indica uma escova (limpeza, ordem e asseio como elementos que, na obra de Sebald, se articulam com o pó, a ruína, a tumba).

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