sexta-feira, 11 de junho de 2021

Vermelho/verde


1) Com o posicionamento da novela de Balzac - O coronel Chabert - no centro de seu romance Austerlitz, Sebald não acrescenta camadas de sentido apenas à trajetória específica do protagonista, mas acrescenta também outra complexa engrenagem no sistema geral de referências de sua obra como um todo: "Balzac" funciona como metonímia de todo um mundo perdido (Chabert é um dos cinquenta e cinco volumes luxuosamente encadernados atrás de uma cristaleira), o mundo burguês organizado do século XIX, objeto de estudo não só de Jacques Austerlitz, mas também de Walter Benjamin, paisagem afetiva e efetiva de autores como Adalbert Stifter, Gottfried Keller e Eduard Mörike, leituras constantes de Sebald.  

2) É preciso ainda atentar que os dois livros levam como título o nome do protagonista - e que, além disso, são dois protagonistas envolvidos na tarefa de resgatar da "morte" (do esquecimento, do soterramento) uma vida vivida outrora (a infância de Austerlitz, a glória napoleônica de Chabert). Pelo viés napoleônico, Chabert é a oportunidade que tem Sebald de reforçar as ligações subterrâneas com o capítulo de Vertigem - sua primeira obra de prosa publicada - dedicado a Stendhal, o romancista napoleônico por excelência do século XIX (esses dois pontos napoleônicos da obra de Sebald - Balzac/Chabert em Austerlitz, Stendhal em Vertigem - vão convergir no futuro, na obra inacabada dedicada à Córsega, Campo Santo, na qual o narrador visita a Casa Bonaparte e comenta o daltonismo do Imperador, que o impedia de diferenciar vermelho e verde - quanto mais sangue derramava, mais frescos via os gramados).

3) Com Chabert, Balzac antecipa Marx e postula que um espectro ronda o presente da França que se quer "restaurada" (usando Balzac e Chabert, Sebald amplia a tese e postula que em todo e qualquer espaço sempre haverá espectros rondando: "Não me parece, disse Austerlitz, que compreendamos as leis que governam o retorno do passado, mas sinto cada vez mais como se o tempo não existisse em absoluto, somente diversos espaços que se imbricam segundo uma estereometria superior, entre os quais os vivos e os mortos podem ir de lá para cá como bem quiserem", p. 182, logo na sequência do aparecimento do livro de Balzac - não por acaso). 

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