2) Contudo, aquilo que em Rembrandt é ordem, controle e organização, em Kafka é desordem e confusão - o mundo já não é mais o mesmo, a divisão cartesiana clara entre sujeito e objeto (o Discurso sobre o Método é de 1637, o quadro é de 1632) está em processo de esfarelamento. O condenado em Kafka é "uma pessoa de ar estúpido, boca larga, cabelo e rosto em desalinho", vivendo uma "sujeição canina" (p. 29) (embora saibamos que todo recurso ao animal em Kafka envia em direção a outra camada de sentido, mais da resistência do que da opressão - o condenado da Colônia penal aparece no início da narrativa pela perspectiva do oficial que manipula a máquina e do soldado que o acompanha).
3) O oficial diz ao explorador: "O mandamento que o condenado infringiu é escrito no seu corpo com o rastelo" (p. 36). O sujeito levará inscrito no corpo o mandamento transformado em sentença, transformado em destino (serve de lição coletiva, já que toda a comunidade vê a máquina em funcionamento, exatamente como na cena de Rembrandt). O processo de tortura leva 12 horas. Na sexta hora, algo acontece, diz o oficial: "O entendimento ilumina até o mais estúpido" (p. 44), Verstand geht dem Blödesten auf. Esse esclarecimento faz da tortura uma espécie de evento sagrado, na perspectiva do oficial, que interpreta a derrocada do corpo do condenado na sexta hora como um êxtase (é possível pensar como o corpo de Aris Kindt em Rembrandt evoca a figura do Cristo morto).
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