quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Pontos úmidos

1) É bem conhecida a relação da família Wittgenstein com o suicídio - três dos irmãos de Ludwig Wittgenstein cometeram suicídio e ele próprio sempre esteve próximo da ideia ao longo de sua vida. O suicídio estava na corrente sanguínea europeia nesses fins de XIX e inícios de XX (Otto Weininger, autor de Sexo e caráter, livro tão importante para Wittgenstein, se matou com um tiro em 1903, pouco depois de publicar o livro). 
2) Será que a semente está mesmo no Werther de Goethe e mesmo na declaração tardia do autor de que o romantismo carregava consigo uma doença? Esse bacilo da morte passa de metáfora a materialidade na Montanha mágica de Thomas Mann - outro autor seduzido pela ideia da morte - e todas as radiografias de caixas torácicas com "pontos úmidos". Em Joseph Roth, a morte aparece constantemente - suicídios, duelos, a guerra. Existe também em Roth a contínua elaboração desse peculiar costume dos oficiais do Exército do Império, ou seja, o costume da honra, da manutenção sempre tensa dessa honra tão frágil - qualquer arranhão deve levar a um duelo ou a um suicídio (e em muitos casos o evento é o mesmo). Em Roth, o próprio Império é um cadáver - uma ideia que será mais tarde reelaborada na ficção de Andrzej Kusniewicz.
3) Sebald, especialista na literatura austríaca do XIX e do XX, sempre retorna à morte como tema nos escritores do período (o exemplo paradigmático sendo Kafka - o caçador Gracchus, o suicida do Veredicto). Pegando ao acaso três livros de um desses autores, Arthur Schnitzler (1862-1931), a morte é recorrente: O tenente Gustl, por exemplo, é o monólogo interior de um oficial que é ofendido por um padeiro na saída do teatro e não vê outra alternativa que não o suicídio; Breve romance de sonho é recheado de comentários a notícias de jornal que relatam suicídios e mortes, sendo o clímax do romance o encontro do protagonista, Fridolin, com o cadáver de uma mulher no necrotério; O médico das termas, por fim, começa com o suicídio da irmã do protagonista, acontecimento abrupto e traumático que irá definir, em maior ou menor grau, todas as ações do médico ao longo do romance.   

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