1) Como acontece na obra de Friedrich Nietzsche, leitor de Dostoiévski e frequentemente comparado a ele, no autor russo também se observa uma constante mescla do registro cômico com o trágico (o riso que leva ao desespero, e vice-versa). Em Contos reunidos, temos acesso a temas pesados e angustiantes, como o suicídio (ver o breve texto “Dois suicídios”, de 1876), e também a momentos de observação irônica dos gestos e dos costumes, normalmente ligada ao contexto de alguma situação atípica ou absurda, como no conto “Bóbok”: “Saí para me divertir, acabei num enterro. Um parente distante. No entanto, conselheiro de colégio. Viúva, cinco filhas, todas donzelas. Só em sapato, o quanto não vai isso!”.
2) São muitos também os momentos – às vezes frases isoladas dentro do fluxo da narrativa – que operam o contraste ou confronto entre o cômico e o trágico, como em “A dócil (uma narrativa fantástica)”, de 1876: “Rezei de joelhos durante cinco minutos, quando o que pretendia era rezar por uma hora, mas só faço pensar, pensar o tempo todo, e só pensamentos doentios, pois minha cabeça está doente – de que adianta rezar assim? É até pecado!”.
3) Dentro daquilo que Mikhail Bakhtin chamou de “polifonia” em Dostoiévski, reconhecemos no trecho acima (e em boa parte da obra de Dostoiévski) a mescla entre a crendice estéril e a devoção metafísica, numa reza que parece a princípio interrompida pelo cansaço ou pela falta de paciência, mas que se justifica a partir da turbulência mental. A minúcia artística desses deslocamentos é o que há de melhor na poética de Dostoiévski como um todo e em Contos reunidos em particular.
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