domingo, 4 de outubro de 2015

Máscaras e assinaturas

Na entrevista com Derek Attridge - agora conhecida como Essa estranha instituição chamada literatura , Derrida fala de sua preferência pelos escritores que estavam, de certa forma, para além do ato da escritura, no espaço de cancelamento dessa literatura que se institui, que cria e inventa (Derrida desenvolve isso no ensaio de 1963, "Força e significação", quando fala de Artaud e de sua declaração acerca da escritura que precede a ideia, que não depende da ideia para se iniciar). Literatura que não "objetiva o arquivamento" e que não recusa sua "assinatura", como diz Derrida, carregada desse desejo de incompletude. "Os primeiros textos pelos quais me interessei eram marcados por esse desejo: Rousseau, Gide ou Nietzsche - textos que não eram simplesmente literários, tampouco filosóficos, mas confissões: os Devaneios de um passeador solitário, As confissões, o Diário de Gide, A porta estreita, Os frutos da terra, O imoralista, e, ao mesmo tempo, Nietzsche, o filósofo que fala em primeira pessoa, ao passo que multiplica nomes próprios, máscaras e assinaturas" (Essa estranha instituição chamada literatura, trad. Marileide Esqueda, BH: UFMG, 2014, p. 48).
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Se a ideia de uma literatura com desejo de incompletude, cuja escritura procura fundar uma instituição para a literatura que é falha e incompleta, longe da certeza, se tudo isso não fosse suficiente para fazer relembrar Fernando Pessoa, então certamente a multiplicação de "nomes próprios, máscaras e assinaturas" proveria a conexão. A breve vida de Pessoa coube dentro da de Gide, longevo (Pessoa: 1888-1935; Gide: 1869-1951), figura central desse paradigma exposto por Derrida (não só por ele, mas sobretudo por Barthes, o Barthes de A preparação do romance, seu seminário sobre a literatura como desejo de incompletude, como tensão entre máscara e assinatura). É preciso dizer que O Livro do Desassossego abarca tal paradigma e o leva além. Em carta de 3 de dezembro de 1931 a Gaspar Simões, Pessoa escreve: "Meu querido Gaspar Simões, nunca peça desculpa de nada, sobretudo ao público. E quem lhe diz que a história definitiva da literatura não levará o José Régio tão alto, ou mais alto, que o Tolstoi ou o André Gide, ou quem mais v. citasse? Não me custa nada a admitir essa possibilidade, sobre­tudo em quem, sendo tão jovem como o Régio, já tanto conseguiu adentro da sua sensibilidade. De resto – admito – nunca pude ler o Gide, e, quanto ao Tolstoi, basta ser russo para eu ter dificuldade em dar por ele". Talvez essa negativa acerca de Gide não seja tão fiável, num autor de tantas máscaras - mas a presença, afinal, está aí, a presença da assinatura - Gide.

2 comentários:

  1. Falcão, o blog é show de bola (desculpe a linguagem rasa)! O melhor que eu tenha visto por aí quando o quesito é fundir literatura e filosofia. E os textos curtos me agradam sobremaneira. Leio no ônibus, trajeto casa/trabalho. Já que são gratuitos, fica aqui meu obrigado.

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