sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Santos beberrões

     Simone Darrieux, rue des Petites Écuries, Paris, setembro de 1977. Ele nunca conseguiu nada que remotamente pudesse se assemelhar a um trabalho. A verdade é que não sei do que vivia. Chegou com dinheiro, ao que me consta, em nossos primeiros encontros era sempre ele que pagava, café com leite, aguardente de maçã, taças de vinho, mas o dinheiro dele se esgotou com rapidez e, que eu saiba, não tinha nenhuma fonte de renda.

     Ele me contou uma vez que tinha encontrado uma nota de cinco mil francos na rua. Depois desse achado, disse, sempre andava olhando para o chão.
     Passado um tempo, voltou a encontrar outra nota perdida. 
(Roberto Bolaño, Os detetives selvagens. Trad. Eduardo Brandão. Companhia das Letras, 2006, p. 240).
*
Depois dessa noite, da noite em que sonhara este sonho, ele se levantou revigorado como se levantara uma semana atrás, quando lhe aconteceram os milagres, e parecia tomar o sonho por um verdadeiro milagre. Novamente sentiu vontade de se lavar no rio. Mas antes de tirar o paletó para fazê-lo, apalpou o bolso interno esquerdo, com a vaga esperança de poder ainda encontrar ali algum dinheiro do qual talvez não tivesse se dado conta. Apalpou o bolso interno esquerdo de seu paletó e sua mão de fato não encontrou ali qualquer cédula, mas sim aquela carteira que ele comprara alguns dias antes. Tirou-a do bolso. Como era de esperar, tratava-se de uma carteira muito ordinária, já usada, barganhada. Raspa de couro. Couro de boi. Esteve a contemplá-la, pois não se lembrava mais de onde e de quando a comprara. Como isso veio parar em minhas mãos? - perguntou-se. Por fim abriu-a e viu que tinha dois compartimentos. Tomado pela curiosidade, examinou o interior de ambos, e em um deles havia uma cédula. Retirou-a dali; era uma cédula de mil francos. (Joseph Roth, A lenda do santo beberrão. Trad. Mário Frungillo. Estação Liberdade, 2013, p. 37-38).

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