John Lort Stokes, 1811-1885 |
É recorrente o atravessamento da tragédia com a literatura de viagem - ou ainda, o personagem principal da ficção de viagem que é atravessado por uma modulação de caráter e de função que responde a um procedimento trágico (de inevitabilidade do destino, por exemplo). Viajantes que alcançam não um destino, mas a depressão e desespero - como em Nove noites, de Bernardo Carvalho, ou Os papeis do inglês, de Ruy Duarte de Carvalho, ambos reflexos dos livros de Conrad.
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Em novembro de 1819, o navio britânico Owen Glendower partiu em direção à América do Sul. Em outubro de 1820, passa na ilha de Santa Helena para averiguar as condições do cárcere de Napoleão. Nesse navio servia um oficial de nome Pringle Stokes, que alguns anos depois seria comandante do Beagle, o navio de Darwin, que estava sendo construído precisamente nesse ano de 1819. Alguns anos depois, já comandando o Beagle, Stokes passa por uma série interminável de contratempos ao longo da costa sul-americana, o que lhe custa a saúde. Em primeiro de agosto de 1828, em Puerto del Hambre, na Patagônia, Stokes dá um tiro na cabeça; a bala fica alojada no crânio mas não provoca sua morte imediatamente - ele vai morrer só em 12 de agosto, de gangrena, aos 35 anos (o comandante seguinte do Beagle, FitzRoy, responsável pela segunda viagem do Beagle, agora sim com Darwin, também vai se suicidar, cortando a própria garganta com uma navalha, mas muito mais tarde, em 1865, aos 59 anos. Outro Stokes fez parte dessa segunda viagem do Beagle, John Lort Stokes, que não era parente do suicida Pringle. John Lort era um oficial da Marinha Britânica e dividiu sua cabine com Darwin. Em 25 de abril de 1882, o Morning Post publicou o tributo de Stokes a seu companheiro de cabine, que morrera naquele mês: "talvez ninguém possa atestar melhor que eu sua intensa e dedicada laboriosidade. Trabalhamos juntos durante anos no Beagle, ele com seu microscópio, eu com meus mapas. Isso, infelizmente, não durava muito para meu pobre amigo, que sofria de enjoo de viagem. Após mais ou menos uma hora de trabalho, ele me dizia: 'Meu velho, devo agora ficar na horizontal'... e se estendia num dos lados da mesa. Podia, assim, retomar a tarefa por algum tempo, quando então tinha de se deitar de novo" - essa citação está em James Taylor, A viagem do Beagle, trad. Gilson de Sousa, Edusp, 2009, p. 29).
Muito bom!
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