sexta-feira, 29 de maio de 2015

Museu do chisme, 2

1) A argumentação do ensaio de Cozarinsky - "O relato indefensável", primeira parte do Museo del chisme - transita por uma rede intertextual concisa e produtiva: de Flaubert a Proust, deste para Walter Benjamin e Paul Valéry, em seguida Borges e Bioy e, finalmente, Barthes (outros dois nomes entram na equação, vindos diretamente de Borges: Stevenson e Henry James - além daquele que parece ter sido o principal interlocutor de Cozarinsky na pesquisa/desenvolvimento do livro, Alberto Manguel, a quem o livro é dedicado).
2) Cozarinsky é bastante sensível a esse aspecto recursivo do mapa intertextual (sua capacidade de ir e vir no tempo e no espaço, embaralhando pertencimentos e solicitando releituras que escapam da cronologia). Ao comentar Proust e seu intenso e inovador uso do chisme como motivo e motor do relato, Cozarinsky resgata Valéry, comentando: "sua desconfiança por essa 'arte quase inconcebível' do romancista não o impediu de render a Proust, de quem confessava ter lido somente um tomo, uma homenagem cujas nove páginas anunciam todos os temas que nas décadas seguintes a crítica e a teoria da narração iriam explorar" (Cozarinsky, Museo del chisme, Buenos Aires: Emecé, 2005, p. 27).
3) Oculto nesse breve comentário está o procedimento de Borges em "Kafka e seus precursores": o direto elogio a Valéry - o "anúncio de todos os temas" da teoria da narração - é também um indireto elogio a Barthes, cujas investigações na década de 1970 permitiram o desvelamento retrospectivo dessas "antecipações" de Valéry. Ao comentar Valéry, Cozarinsky glosa, simultaneamente, Barthes e Borges.

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