domingo, 24 de maio de 2015

Museu do chisme, 1

O chisme, a fofoca, o conto oral passado de boca em boca, tal como capturado por Cozarinsky, pode frequentemente servir para fins revolucionários e/ou contrarrevolucionários (está no cerne das ficções de Joseph Conrad ou do "romance russo" de Joseph Roth ou de Respiração artificial, de Ricardo Piglia). Fez parte muitas vezes das estratégias de Marx, polemista e fofoqueiro de imenso talento, para minar as vidas e ideias de seus incontáveis desafetos (um caso paradigmático foi seu confronto de anos com August Willich e a consequente dissolução da Liga Comunista em 1850). Já em Londres, Marx acusou muitas vezes Lorde Palmerston de ser um espião russo, um dos muitos agentes dos interesses russos na Europa da época - duas publicações de Marx surgiram da questão: História da vida de Lorde Palmerston, de 1853, e A história secreta da diplomacia no século XVIII, de 1857.
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É irônico que um dos relatos mais conhecidos e divulgados acerca da vida precária de Marx em Londres tenha partido justamente de um espião (nesse caso, um espião prussiano, enviado para se infiltrar na casa de Marx na Dean Street e nas reuniões que ali aconteciam - seu relatório foi descoberto em 1921 nos arquivos do recém extinto Reino da Prússia). "Marx mora num dos piores e mais baratos bairros de Londres", reporta o espião, e continua: "Não há um único móvel limpo ou decente, tudo está quebrado, com uma grossa camada de pó cobrindo tudo. Quando se entra, a fumaça e o cheiro do fumo provocam de tal forma lágrimas nos olhos que a pessoa parece estar entrando numa caverna. Sentar-se é um gesto perigoso. Aqui está uma cadeira com três pernas, outra que parece inteira, mas nela as crianças brincam de fazer comida. Alguma, afinal, é oferecida à visita, mas a comida das crianças não foi removida e assim se arrisca a limpeza das calças. Mas essas coisas não parecem incomodar Marx e sua mulher. Recebem de forma amigável e oferecem fumo e o que mais possa haver na ocasião. Então surge uma conversa erudita e interessante que aos poucos torna o desconforto suportável" (são inúmeras fontes: Alex Callinicos, The Revolutionary Ideas of Karl Marx, p. 25; Isaiah Berlin, Karl Marx: sua vida, seu meio, sua obra, p. 182; Saul Padover, Karl Marx, an intimate biography, p. 290; Francis Wheen, Karl Marx, p. 170; Robert Payne, Marx, p. 251-254; David McLellan, Karl Marx: his life and thought, p. 268).  

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