sábado, 31 de janeiro de 2015

Balões

Nadar no balão, 1863
1) O balão aparece na ficção de três autores britânicos: Julian Barnes, Ian McEwan (Enduring Love) e Tom Stoppard. Em Levels of Life - traduzido no Brasil como Altos voos e quedas livres -, Barnes usa o tema do voo e do balonismo como estratégia para lidar com o luto pela morte da esposa - o luto como uma situação extrema que o faz ver o mundo de uma perspectiva antes inimaginável. É isso que ele procura também em três pioneiros do balonismo: Felix Nadar, Sarah Bernhardt e o menos conhecido coronel Fred Burnaby.
2) A abertura de Levels of Life é significativa: "Você liga duas coisas que nunca foram ligadas antes. E o mundo é transformado". Luto e balonismo, por exemplo. No caso de Barnes, os temas do balonismo e da ligação ressoam um pouco mais, numa dimensão bastante material e geográfica - a transposição do Canal da Mancha, por exemplo, atividade aparentemente simples mas carregada de drama histórico (Burnaby, inglês, é o único dos três pioneiros que atravessa o canal - English Channel para ele e para Barnes). Não foi sempre esse um dos desejos de Barnes? Mostrar que a travessia é possível? O exemplo imediato é O papagaio de Flaubert, mas existem outros.  
3) Em Lord Malquist and Mr. Moon, seu único romance, publicado em 1966, Stoppard arma uma trama  tão bizarra que é impossível de ser resumida. Nota-se que no romance Stoppard faz uso intenso de sua condição "extraterritorial", nem tcheco, nem súdito britânico, mas intensamente ambos - pois se os cenários e os personagens de Lord Malquist são londrinos (em seus gestos e termos), o encadeamento absurdo de fatos e ações, além do permanente tom entre onírico e debochado, nos coloca diretamente no universo de Hrabal e Bruno Schulz. Mr. Moon, seu personagem, coloca uma bomba caseira dentro de um balão que sobrevoa Trafalgar Square - nele está escrito GOD SAVE THE QUEEN, e, quando explode, a multidão vai ao delírio. Mr. Moon passa o romance esperando a oportunidade para detonar sua bomba, que leva no bolso, como esforço de denúncia da "modern life" - eis uma constelação que leva aos terroristas/anarquistas de Dostoiévski e Conrad; ao Caminho de Ida de Piglia; ao belíssimo romance de Aleksandar Hemon, O projeto Lazarus, etc. 

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