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Goya, Autorretrato com Arrieta, 1820, detalhe |
Em seu livro recente sobre Goya (
Goya à sombra das luzes, tradução de Joana Angélica d'Avila Melo, Companhia das Letras, 2014), Tzvetan Todorov menciona os dois grandes momentos de ruptura na obra do pintor espanhol, ambos motivados por doenças - um colapso que o levará à surdez em 1792 e, em 1819, uma doença misteriosa que por pouco não tira sua vida. "O sentimento de haver beirado a morte", escreve Todorov sobre Goya, "lhe dará uma liberdade nova, como se ele percebesse que, nos poucos anos de vida que lhe restavam, já não precisava levar em conta nenhuma convenção, conformar-se a nenhuma regra: pode e deve dar livre curso à busca da verdade na qual se comprometera" (p. 198). Para marcar essa ruptura e celebrar sua salvação, Goya pinta um autorretrato agonizante ao lado de seu médico, e lhe dá o quadro de presente. A partir daí, passa a realizar as obras hoje conhecidas como "Pinturas negras".
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A reflexão de Todorov está perfeitamente alinhada com aquela de Said em Estilo tardio - há inclusive o paralelo possível de Beethoven e Goya através da surdez, elemento fundamental para a transformação da poética de ambos, que eram rigorosamente contemporâneos (Beethoven morreu em 1827, Goya em 1828). Said, no entanto, é bem mais rigoroso que Todorov no que diz respeito às possibilidades, tanto estéticas quanto políticas, desse movimento de transformação procedimental envolvido no "estilo tardio" (a reflexão de Said sobre Beethoven, por exemplo, é articulada a partir de Adorno - Said lê os escritos de Adorno sobre Beethoven com um olhar tríplice: o estilo tardio de Beethoven per se, a interpretação desse estilo por Adorno e, finalmente, o quanto Adorno revela de seu próprio estilo tardio a partir de seus escritos sobre Beethoven).
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