terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Mahler, Mann, Freud

Gustav Mahler, 1860-1911
Leiden é a cidadezinha que representa o emblema dos encontros de Freud com outros intelectuais e artistas de sua época. É o caso aqui de Mahler e, indiretamente, de Thomas Mann. Não são evidentes, mas se quiséssemos desenredar seus fios perceberíamos que o pensamento e a autoridade de Freud começam, de modo mais ou menos manifesto, a se difundir na cultura europeia.
Como escreve Katia Mann, que na primavera de 1911 encontrava-se em Veneza com o marido Thomas Mann, durante toda a agonia de Mahler "os jornais publicaram boletins sobre suas condições com intervalos de praticamente poucas horas, como se se tratasse de um príncipe reinante". O casal Mann habitava perto do célebre Hotel des Bains do Lido. Frederic Grunfeld escreve em seu livro Profetas sem honra: "Foi então que a atenção de Mann foi atraída para uma família polonesa, com as moças vestidas bastante rigidamente e um delicioso, belíssimo rapazola de cerca de 13 anos, vestido de marinheirinho, que ele se divertia a observar na praia". As férias de Mann foram interrompidas pela notícia de que o cólera, que poupara Freud na Sicília no ano anterior, deslocava-se para o norte, para Veneza. Foi nessas histórias que Mann inspirou-se para Morte em Veneza, escrito em 1912. O personagem central, Gustav von Aschenbach, apresenta uma semelhança indubitável com Gustav Mahler: "O luto que se seguiu à morte de Mahler chocou meu marido a tal ponto que ao descrever as características físicas de Von Aschenbach fez praticamente um retrato de Mahler", escreve Katia Mann.
Mas também é significativo recordar que Thomas Mann, em 1925, afirmará que "pelo menos um trabalho, o breve romance Morte em Veneza, foi composto sob a influência direta de Freud". Mais adiante, em 1936, irá declarar que "a psicanálise representou a maior contribuição à arte do romance".

Giancarlo Ricci. As cidades de Freud. Tradução de Eliana Aguiar. Jorge Zahar, 2005, p. 159-160.

2 comentários:

  1. Curioso. Na novela "Morte em Veneza", Aschenbach é um escritor em crise com sua própria arte (ou com a Arte, de modo geral). Não percebi ali nenhuma relação ou referência a Mahler.

    Apenas no filme homônimo de Visconti, a vinculação Mahler-Aschenbach é estabelecida, pois o protagonista agora é um compositor e a música onipresente é o Adagietto da Quinta Sinfonia de Mahler (em um momento do filme, pode-se ouvir um trecho da Terceira Sinfonia de Mahler). Achei que a identificação de Mahler com Aschenbach tinha sido uma "licença poética" de Visconti, não uma intenção original de Mann.

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    1. Pois é, pelo jeito Mann se esforçou para eliminar referências muito evidentes a Mahler no romance. Talvez querendo distanciar o romance do 'fait divers'.

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