quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Nota sobre as mulheres fatais

1) "Ouça, Monteiro Rossi, disse Pereira, amanhã eu mesmo telefono para a Marta, mas de um telefone público, por hoje é melhor que fique sossegado e vá para cama, escreva o número dela neste papel. Vou lhe dar dois números, disse Monteiro Rossi, se não estiver no primeiro, certamente estará no outro, se não for ela a atender, pergunte por Lise Delaunay, é assim que ela se chama agora" (Afirma Pereira, tradução de Roberta Barni, Cosac Naify, 2013, p. 135). Nem sinal de Marta ou de Lise Delaunay depois disso - ela desaparece ou é encontrada pela polícia, assim como Asja Lacis no mesmo ano, 1938. Asja era atriz, trabalhou com Brecht, Erwin Piscator e Ernst Toller (o amigo de Joseph Roth que com seu suicídio provocou o colapso do escritor), e provavelmente era versada na arte dos disfarces, como Marta - segundo Vila-Matas, na História abreviada, toda mulher fatal é uma câmera com a objetiva permanentemente aberta, captando as imagens do exterior e mimetizando-as.
2) Assim como Pereira e Monteiro Rossi, Aby Warburg também teve sua cota de mulheres fatais - e aquela que coube a Warburg chamava-se Rosa Luxemburgo. Philippe-Alain Michaud, em seu livro Aby Warburg et l’image en mouvement, transcreve algumas das observações do médico Binswanger quando da internação de Warburg: "Em 18 de novembro de 1918, eu passei a temer muito por minha família", disse Warburg, afirma Binswanger, segundo Michaud, "então peguei minha pistola e desejei matar a mim e a minha família. Você sabe, é porque o bolchevismo estava chegando" (Philippe-Alain Michaud. Aby Warburg and the image in motion. Tradução para o inglês de Sophie Hawkes, Nova York: Zone Books, 2007, p. 173).
3) No caso de Warburg, o "bolchevismo" era a Liga Espartaquista (Spartakusbund), uma espécie de proto-Partido Comunista Alemão organizado durante a Primeira Guerra Mundial, aproveitando não apenas o sucesso de Lênin na Rússia mas, principalmente, os insucessos alemães durante a guerra. A Spartakusbund foi fundada, entre outros, por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que foram assassinados em 1919, quando a Liga, já associada ao Partido Comunista oficial, entrou em confronto com forças de defesa da recém-fundada República de Weimar. Em nota (p. 365), Michaud conta que Warburg chegou a receber os espartaquistas em sua casa de Hamburgo, nesse dia 18 de novembro de 1918, oferecendo-lhes um drinque, Rosa Luxemburgo entre eles - rigorosamente vinte anos antes de Marta e Asja Lacis desaparecerem (também Toller, o amigo de Joseph Roth e uma espécie de padrinho de Asja, era um espartaquista).  

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