sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Perseguindo Jesus e os ladrões

Cimabue, "Crucificação", 1280-1283
1) Tempos atrás, escrevi um pouco sobre um conto de Nikolai Leskov, "Alexandrita". É a história de uma pedra preciosa que leva o nome do imperador russo Aleksandr II. Leskov conta como adquiriu um anel com uma alexandrita engastada - acompanhada por dois pequenos brilhantes, um de cada lado da pedra real. A imagem do anel levou a uma comparação entre o imperador e Jesus Cristo, naquilo que ficou conhecida como uma "alegoria messiânica", já que a cena da crucificação é reproduzida simbolicamente (e de forma portátil) na construção do anel. 
2) Nesse mesmo comentário sobre Leskov, Jesus Cristo e o anel, surge a passagem de 2666 na qual Roberto Bolaño também trabalha com a cena da crucificação (um texto bem anterior sobre Bruno Schulz também incorpora, incidentalmente, a citação de Bolaño). A diferença é que Bolaño se apropria da cena de forma completamente diversa: a citação sobre Jesus e os ladrões (que estão lá para ocultar e não para realçar) faz o arremate de uma longa passagem sobre o infinito e a literatura, o silêncio na ficção e, principalmente, o caráter errático e fantasmático do escritor Benno von Archimboldi. A cena da crucificação é transformada em enigma, em linguagem crítica cifrada. 
3) Em 8 de setembro de 1971, um sujeito chamado Paul Sufrin foi visitar Nabokov para uma entrevista radiofônica. A última pergunta (daquelas que Nabokov selecionou para publicação) é a seguinte: O que você pensa da declaração do crítico George Steiner, que liga seu nome aos de Borges e Beckett como os "prováveis gênios" da literatura contemporânea? E Nabokov responde: Aquele dramaturgo e aquele ensaísta são vistos atualmente com tanto fervor religioso que, no tríptico que você menciona, eu me sentiria como um ladrão entre dois Cristos. Um ladrão contente, de qualquer modo. (Nabokov, Strong opinions, Random House, 1990, p. 184).

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