Imagens que podem ser tão estranhas quanto um conto de Virgilio Piñera, especialmente um conto de 1957, chamado A montanha:
A montanha tem mil metros de altura. Decidi comê-la pouco a pouco. É uma montanha como todas as montanhas: vegetação, pedras, terra, animais e até seres humanos que sobem e descem por suas encostas.
Todas as manhãs me atiro de boca sobre ela e começo a mastigar o que parecer primeiro. Assim fico várias horas. Volto para casa com o corpo moído e as mandíbulas em brasa. Depois de um breve descanso sento-me no vestíbulo para olhá-la em sua azulada lonjura.
Se eu dissesse estas coisas ao vizinho, decerto se escangalharia de rir ou me tomaria por louco. Mas eu, que sei o que tenho nas mãos, vejo muito bem que ela perde redondez e altura. Então falarão de transtornos geológicos.
Aí está minha tragédia: ninguém vai querer admitir que fui eu o devorador da montanha de mil metros de altura.
Esse tipo de transtorno geológico que encontramos também em Kafka, em seu desejo rigoroso de reduzir tudo aos elementos primordiais. Uma anotação em um caderno de 1922, que Roberto Calasso encontra nos arquivos da Bodleian Library de Oxford, onde estão os manuscritos de Kafka. O visionário de Praga escreve assim:
Como alguém que tem uma casa insegura e quer construir uma outra, segura, ao lado, se possível com o material da antiga. Mas a coisa fica séria se, durante a construção, suas forças o abandonarem e então, em vez de uma casa insegura mas completa, ele ficar com uma casa semidestruída e outra pela metade, ou seja, com nada. O resultado só pode ser a loucura, uma espécie de dança cossaca entre as duas casas, durante a qual o cossaco raspa e revolve a terra com os tacões das botas, até que uma fossa se forme sob seus pés.
Kafka fala do único resultado possível: a loucura. O impossível do desejo: construir uma casa com o material daquilo que se destrói. Kafka fala de uma dança cossaca, uma dança da loucura, na qual se raspa tanto os pés no chão que uma fossa se forma, uma cova, onde finalmente se cai, morto de loucura. Uma dança cossaca que lembra a tarantela, a teatralização da picada mortal, do breve momento que o sujeito não é nem vivo, nem morto, refém do veneno da aranha, da tarântula, em uma oscilação terrível do homem ao animal, e vice-versa - e Deleuze comenta o devir-animal na tarantela em Mil platôs, vol. 4.
Ou seja, com nada.