sábado, 11 de junho de 2022

Alguma lei mais antiga


"Homero foi tão implacável com Helena quanto Tolstói foi com Anna. Elas fugiram na esperança de revogar o passado para construir um amor que fosse só amor. Acordam no exílio e não sentem nada além de um desgosto profundo por aquilo que parecia sonho, êxtase, o ápice da existência: a promessa de libertação que virou escravidão, o amor que não obedeceu mais ao amor, mas a alguma lei mais antiga e mais severa. Estão aqui em um reino onde a beleza e a morte, estranhamente próximas, criam uma necessidade comparável àquela da força, mais imperiosa ainda, pois oposta apenas ao simulacro de uma resistência. Helena, em seu palácio de Troia, Anna, na estação onde se jogará debaixo do trem, encontram-se diante de um sonho deteriorado e não se podem acusar de outra coisa senão de terem sido enganadas pela bruta Afrodite"

(Rachel Bespaloff, Da Ilíada, trad. Giovani Kurz, Ayiné, 2022, p. 30)


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