terça-feira, 3 de maio de 2022

Orwell


Apesar da vida relativamente breve (1903 – 1950), Orwell escreveu muito e sobre uma variada gama de assuntos, da guerra à fome, passando pelos elefantes, pelo críquete e pelas estantes de livros. Sobre a verdade é um livro híbrido, espécie de caderneta de anotações feita a posteriori, com trechos sobre o tema da verdade de toda sua obra, compilados por David Milner. “Todos acreditam nas atrocidades do inimigo e duvidam daquelas cometidas por seu próprio lado, sem nem se darem ao trabalho de examinar as evidências”, escreve Orwell em 1943, em um ensaio intitulado “A Guerra Espanhola em retrospecto”, e completa: “as pessoas acreditam ou duvidam das atrocidades unicamente com base em suas predileções políticas”.

A lição principal desse ensaio, que repercute em todas as entradas de Sobre a verdade (assim como nos principais romances de Orwell, como A revolução dos bichos, de 1945, ou 1984, de 1949), é que a verdade é sempre um processo de construção histórica, um percurso composto por várias camadas e que não se oferece pronto, por “combustão espontânea”, diante do observador. Sendo fruto do debate e da troca de ideias, a verdade é a primeira coisa a ser atacada nas tiranias e nos regimes totalitários. E o melhor modo de atacá-la é impedir sua circulação: “A literatura em prosa como a conhecemos é produto do racionalismo, dos séculos de protestantismo, do indivíduo autônomo”, escreve Orwell em 1946, e continua: “E a destruição da liberdade de pensamento incapacita o jornalista, o sociólogo, o historiador, o romancista, o crítico e o poeta, nessa ordem”. A verdade é um ecossistema, compartilhada dentro de uma comunidade, cujo bem-estar afeta a todos.

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