quinta-feira, 19 de maio de 2022

Jogo de montar



1) Em artigo intitulado "Construído com astúcia: um modelo para o modo de escrever de Walter Benjamin" (disponível no livro coletivo Walter Benjamin. Experiência histórica e imagens dialéticas), Erdmut Wizisla apresenta uma série de descobertas realizadas no Arquivo Walter Benjamin (Walter Benjamin Archiv / Akademie der Künste, Berlin), do qual é diretor. O que me interessa especialmente é o detalhamento da relação entre Benjamin e Ferdinand Lion, autor do livro sobre Descartes, Rousseau, Bergson (ao qual fiz referência em comentário sobre Barthes). Wizisla faz uso da correspondência entre Lion e Benjamin em torno da publicação, em 1938, de um artigo sobre o Instituto Social de Adorno e Horkheimer, delineando no processo um "modelo" do "modo de escrever" de Benjamin.

2) Lion, que era responsável pela revista Mass und Wert, que lidava com uma série de outros autores, temas, egos, diagramações, prazos e questões técnicas, solicitou a Benjamin que não se alongasse muito em seu texto, para que pudesse ser colocado na seção de "críticas". Ao invés de mandar um texto curto, Benjamin mandou a Lion um texto longo dividido em muitas partes, para que o editor pudesse escolher a disposição que quisesse, seguindo, porém, instruções que oscilavam entre o barroco e o cabalístico: O marco do manuscrito: páginas 1, 2, 3 e 11. As páginas 8, 9, 10 formam um bloco que pode ser inserido neste marco como um todo fechado, ou melhor isolado, ou ainda junto com outras páginas. As páginas restantes, 4/5, 6, 7 podem ser incluídas de forma individual, ou melhor, em conjunto; teria aqui de levar em conta tão somente que a página 6 não pode figurar sem as páginas 4/5 (ou melhor, ao contrário). A extensão mínima do manuscrito: menos de três páginas; a máxima: oito páginas completas

3) Wizisla comenta: "A observação preliminar oferecia a Lion pelo menos onze possibilidades diversas de combinar os oito elementos. O redator escolheu uma décima segunda, não autorizada, que violava as intenções do autor"; argumenta ainda que o procedimento de Benjamin nesse caso específico está ligado ao modo como ele organizava seu pensamento de forma mais ampla: o Livro das Passagens, suas ideias sobre Paris como capital do século XIX, suas reflexões sobre o surrealismo e sobre a tradição como um jogo de montagem e combinação (um fio que desemboca na Rayuela de Cortázar, na obra de Perec, na desmontagem do poema de Baudelaire por Lévi-Strauss e Jakobson, naquela que faz Barthes com Balzac em S/Z, no David Markson de Reader's Block, no Coetzee de Diário de um ano ruim). "O modo de construção de Benjamin significa um adeus à linearidade e hierarquia", escreve ainda Wizisla. 

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