quinta-feira, 14 de maio de 2020

Sciascia, 1978


1) O caso Moro funciona para Sciascia como uma incontornável mescla entre o individual e o coletivo, o subjetivo e o histórico: agora Sciascia reconhece sua poética e seus temas preferidos na própria realidade, tendo sido ele desde sempre um escritor particularmente atento à história italiana, siciliana, europeia. Mas o livro de Sciascia sobre o caso Moro é cindido, dividido, ambivalente: conta com uma primeira parte mais narrativa, associativa (é onde ele cita Poe e Borges) e uma segunda parte mais contida, uma vez que se trata do relatório escrito por ele na condição de parlamentar.

2) Pode-se constatar, portanto, na própria dinâmica estrutural do livro de Sciascia sobre o caso Moro essa ambivalência entre individual e coletivo, subjetivo e histórico: a primeira parte do livro mostra o Sciascia escritor buscando dar conta - narrativamente - dessa abrupta invasão dos fatos sobre sua poética e seus temas; a segunda parte mostra Sciascia atuando sobre o caso Moro não do interior de sua poética e de seus temas, mas do exterior, de uma exterioridade social, histórica (o que apenas intensifica a carga dramática da investigação da primeira parte, uma vez que é essa exterioridade política que Moro reivindica em suas cartas, e é também o contato entre subjetivo e coletivo que está em jogo nas cartas de Moro, que faz uso do potencial destino de sua família para convencer o Estado a negociar com os terroristas e, com isso, salvar sua vida).

3) Levando em conta o que diz Peter Sloterdijk em suas Regras para o parque humano - ou seja, que a história do pensamento é a história do envio de mensagens, de cartas, e também a história da recepção sempre diferida dessas mensagens -, a dinâmica epistolar do caso Moro tal como analisa Sciascia é também uma reflexão sobre os limites da ética, da estética e da política (Moro faz uso das cartas para refletir sobre e questionar a própria noção do poder, como fez outrora Platão em Siracusa - uma situação que alimenta tanto O cartão-postal, de Derrida (lançado em 1980), quanto as aulas que Foucault apresenta de 1982 a 1984 em dois de seus seminários - Governo de si e dos outros - no Collège de France).

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