1) A estratégia enciclopédica de Michel Houellebecq - que é polimorfa e se adapta ao projeto específico de cada romance - não pode ser vista como um mero instrumental para a preparação do romance. Ou seja, um conjunto neutro de ferramentas que tornam possível o romance e dele não fazem parte. Pelo contrário, a estratégia enciclopédica é o próprio cerne dos romances, tornando-os possíveis e constituindo uma sorte de meta-comentário da performance romanesca.
2) Nessa perspectiva, o procedimento vem desde Flaubert - e Houellebecq deliberadamente reconfigura o procedimento flaubertiano, renovando-o tendo em vista o aumento exponencial da estupidez na contemporaneidade (ou, ao menos, seus meios de distribuição e divulgação). O uso que Houellebecq faz da Wikipedia, por exemplo, não é por acaso: o que está em jogo não é a pesquisa para um romance como estratégia realista - a documentação como garantia da verossimilhança - e sim como diapasão da proliferação da estupidez.
3) Assim como Flaubert usa Cartago para Salammbô, MH usa a clonagem para A possibilidade de uma ilha; assim como Flaubert usa a vida no interior para Madame Bovary, MH usa a vida corporativa em Extensão do domínio da luta e os meandros da arte contemporânea em O mapa e o território. A minúcia da pesquisa equivale à minúcia da estupidez (e a primeira serve para realçar a segunda, e não para escondê-la). Não é por acaso também que a epígrafe de Plataforma venha de Balzac - do qual podemos ler, em Ilusões perdidas, o seguinte diagnóstico, que jamais perderá sua atualidade, seu caráter polimorfo:
Enfim, meu caro, o segredo da fortuna, em literatura, não é trabalhar; trata-se de explorar o trabalho de outrem. Os proprietários de jornais são empreiteiros, e nós pedreiros. Assim é que, quanto mais medíocre for o homem, tanto mais rapidamente subirá. (Balzac, Ilusões perdidas, trad. Ernesto Pelanda e Mario Quintana - A comédia humana, vol. 7, Globo, 2013, p. 307).
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