Goethe é o melhor exemplo de uma existência cuja lógica vital se desenvolve com a maior coerência possível, ao passo que seus conteúdos, considerados objetivamente, se chocam de modo extremo e muitas vezes incompreensível.
Não só todas as atividades possíveis - práticas e poéticas, científicas ou puramente pessoais, interesses produtivos e receptivos, momentos de abertura e de fechamento - nele se misturam a ponto de o resultado de um dia parecer completamente diferente do da véspera, mas também, do ponto de vista qualitativo, as obras-primas e as produções malogradas, as mais profundas intuições e os mais estranhos erros se sucedem de maneira tão contingente e incoerente que é difícil compreender como podem se justapor.
Mas, quando se apreende o ritmo e o quadro geral dessa vida em perpétua metamorfose, percebe-se nesses conteúdos contraditórios e ilógicos a mais maravilhosa unidade.
Por meio desses estágios, desses altos e baixos, dessa afinidade entre o que é o mais afastado, uma "forma dada ao viver se desenvolveu.
Os fenômenos desse tipo, que percorrem toda vida humana e cuja problemática atinge em Goethe a tensão mais extrema e a solução mais realizada, revelam o mistério da relação entre processo e conteúdo dos mecanismos psíquicos e insinuam que a aparente contradição entre continuidade e descontinuidade não é pertinente aqui.
Talvez os processos psíquicos ocorram sob uma forma que ainda não conseguimos apreender conceptualmente, para a qual essa decisão não é necessária.
(George Simmel, Ensaios sobre teoria da história, trad. Estela Abreu, Contraponto, 2011, p. 64-65)
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