domingo, 25 de novembro de 2018

Werther, Tolstói

Toda a nossa arte consiste em conseguir (ter tempo de) contrapor a cada resposta que ainda não desvaneceu nossa pergunta. Justamente esse saltar das respostas por cima de nós é a inspiração. E quantas vezes ela é uma folha em branco!
Alguém lê Werther e se dá um tiro. Outro alguém lê e porque Werther se mata com um tiro resolve viver. Um agiu como o personagem, outro como Goethe. Lição de suicídio? Lição de autodefesa? Tanto uma como outra. Devido a certa lei de sua vida, Goethe tinha que atirar em Werther, o daimon suicida de uma geração tinha que ser encarnado pela mão do próprio Goethe.

(...)

No apelo de Tolstói para suprimir a arte, são importantes os lábios que o pronunciam: se não tivesse vindo de tão estonteante altura artística, se a chamar-nos tivesse sido qualquer um entre nós, nem teríamos voltado a cabeça.
Na luta de Tolstói contra a arte, o que importa é Tolstói, o artista. Ao artista perdoamos o sapateiro (sabe-se que Tolstói fabricava seus próprios sapatos - N. T.). Guerra e paz não pode ser apagada de nosso comportamento. É indelével. É irremediável. Com o artista consagramos o sapateiro. O que nos seduz na luta de Tolstói contra a arte é, mais uma vez, a arte.

(Marina Tsvetáeva, O poeta e o tempo, trad. Aurora Bernardini, Âyiné, 2017, p. 139; 142)

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